Por indicação do jornalista André
Barcinski, de quem sou fã e assíduo leitor, assisti durante o final de semana, a um dos filmes mais inteligentes, instigantes e tristes que já vi em
toda a minha vida, “O Cão Branco”, de 1982, dirigido por Samuel Fuller.
Em tempos de refilmagens toscas, filmes ruins baseados em
quadrinhos, historinhas sobre dragõezinhos, vampirinhos e bruxinhos bobocas,
assistir a um filme como “O Cão Branco”, é um oásis em meio a tanta
mediocridade cinematográfica.
A história é a seguinte: Uma aspirante a atriz chamada Julie
atropela um pastor alemão albino. Ela imediatamente leva o animal para um
veterinário, que trata do cão e diz que se dentro de três dias, se o dono não aparecer, ele será sacrificado no canil municipal.
Após tentar sem sucesso encontrar o dono do belo cão, Julie decide
adotar o cachorro, até porque mora sozinha e além da companhia, o cachorro
poderia lhe oferecer “proteção”.
Até que Julie descobre que o cachorro que ela adotou é um “cão
branco”, um tipo de cão treinado especificamente para atacar (e matar) negros (essa
prática de adestramento foi desenvolvida na África do Sul, durante o Apartheid).
Desesperada e aterrorizada, Julie decide procurar um
adestrador, pois se apegou ao cão e não quer que ele seja sacrificado. Ela crê
que se ele foi ensinado a odiar, ele pode ser “desensinado” da mesma forma.
O único adestrador de animais apto para o trabalho chama - se
Keys. Detalhe: Keys é negro.
A partir daí, o filme se torna um manifesto extremamente
inteligente sobre o ódio, a intolerância e a ignorância.
Existem vários filmes sobre preconceito racial com um grande
status de “conscientes”, “profundos” e “tocantes”, como “A Cor Púrpura”, “12
Anos de Escravidão” e “Amistad”.
Achei “O Cão Branco” superior a todos estes e
a muitos outros, por um único motivo. O filme do genial Samuel Fuller não é
piegas. Trata do tema de maneira sutil e inteligente, colocando cada cena e cada
diálogo a disposição para a reflexão do espectador. Arte é qualquer coisa que
te proponha o pensamento crítico e a discussão do que te foi apresentado. E este
filme cumpre estes objetivos de maneira sublime.
Li que o filme foi boicotado pela Paramount, estúdio que o
lançou, pois os executivos (sempre eles) acharam o filme “impactante e forte
demais” para o público. Dezenas de protestos foram feitos (por negros), sob
alegação que se tratava de um filme “racista”. Imagino a tristeza de Fuller, um
cineasta renomado, que esperava conscientizar e se solidarizar junto a luta
pelos direitos civis. Tristeza e decepção devem ter tomado o coração do Diretor.
O filme tem cenas com cargas emocionais pesadíssimas (o treinamento de Keys, o ataque na igreja, o final, que é absolutamente fantástico), que na mão de um diretor menos competente, virariam um dramalhão a la Steven Spielberg.
O filme tem cenas com cargas emocionais pesadíssimas (o treinamento de Keys, o ataque na igreja, o final, que é absolutamente fantástico), que na mão de um diretor menos competente, virariam um dramalhão a la Steven Spielberg.
Fuller mostra durante todo o filme que todo e qualquer preconceito tem como base duas características bem próximas: Ignorância e/ou ódio. Ou o preconceituoso não compreende (ou se nega a tentar compreender), e posteriormente rechaça, por não ter uma capacidade intelectual e até mesmo mental, de
respeitar o “diferente”, partindo daí a ignorância. Ou talvez, o preconceituoso odeie porque por achar que é “superior”, e externa essa “superioridade” menosprezando quem ele considera “inferior”. Talvez odeie apenas por alguma frustração íntima, mas sinceramente, as possibilidades são infinitas.
Particularmente, penso que todo preconceituoso é inseguro (intelectualmente, socialmente, moralmente e sexualmente). Pessoas inseguras, geralmente tem uma visão estreita e radical das coisas, e imploram para serem comandadas, ao inverso de quem é seguro de si.
Nem todo preconceituoso odeia, mas todo preconceituoso é ignorante e inseguro.
Particularmente, penso que todo preconceituoso é inseguro (intelectualmente, socialmente, moralmente e sexualmente). Pessoas inseguras, geralmente tem uma visão estreita e radical das coisas, e imploram para serem comandadas, ao inverso de quem é seguro de si.
Nem todo preconceituoso odeia, mas todo preconceituoso é ignorante e inseguro.
Inacreditavelmente, o filme acabou com a carreira de Samuel Fuller, que após tamanha frustração foi embora dos Estados Unidos, para onde retornou apenas no fim de sua prolífica vida. Fuller é constantemente citado por Martin Scorsese e Quentin Tarantino como grande influência de ambos.
“O Cão Branco” é uma obra contundente, amarga e incômoda de se assistir
(custei a dormir após assisti-lo), mas extremamente enriquecedora.
É um filme que tem que ser visto... hoje, se possível.
Um abraço.
Irei assistir!
ResponderExcluirValeu!
Vale a pena, Poeta... grande filme. Abs.
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