terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Trovando Sobre: O CÃO BRANCO.


Por indicação do jornalista André Barcinski, de quem sou fã e assíduo leitor, assisti durante o final de semana, a um dos filmes mais inteligentes, instigantes e tristes que já vi em toda a minha vida, “O Cão Branco”, de 1982, dirigido por Samuel Fuller.

Em tempos de refilmagens toscas, filmes ruins baseados em quadrinhos, historinhas sobre dragõezinhos, vampirinhos e bruxinhos bobocas, assistir a um filme como “O Cão Branco”, é um oásis em meio a tanta mediocridade cinematográfica.

A história é a seguinte: Uma aspirante a atriz chamada Julie atropela um pastor alemão albino. Ela imediatamente leva o animal para um veterinário, que trata do cão e diz que se dentro de três dias, se o dono não aparecer, ele será sacrificado no canil municipal.

Após tentar sem sucesso encontrar o dono do belo cão, Julie decide adotar o cachorro, até porque mora sozinha e além da companhia, o cachorro poderia lhe oferecer “proteção”.


Até que Julie descobre que o cachorro que ela adotou é um “cão branco”, um tipo de cão treinado especificamente para atacar (e matar) negros (essa prática de adestramento foi desenvolvida na África do Sul, durante o Apartheid).

Desesperada e aterrorizada, Julie decide procurar um adestrador, pois se apegou ao cão e não quer que ele seja sacrificado. Ela crê que se ele foi ensinado a odiar, ele pode ser “desensinado” da mesma forma.

O único adestrador de animais apto para o trabalho chama - se Keys. Detalhe: Keys é negro.


A partir daí, o filme se torna um manifesto extremamente inteligente sobre o ódio, a intolerância e a ignorância.

Existem vários filmes sobre preconceito racial com um grande status de “conscientes”, “profundos” e “tocantes”, como “A Cor Púrpura”, “12 Anos de Escravidão” e “Amistad”.

Achei “O Cão Branco” superior a todos estes e a muitos outros, por um único motivo. O filme do genial Samuel Fuller não é piegas. Trata do tema de maneira sutil e inteligente, colocando cada cena e cada diálogo a disposição para a reflexão do espectador. Arte é qualquer coisa que te proponha o pensamento crítico e a discussão do que te foi apresentado. E este filme cumpre estes objetivos de maneira sublime.

Li que o filme foi boicotado pela Paramount, estúdio que o lançou, pois os executivos (sempre eles) acharam o filme “impactante e forte demais” para o público. Dezenas de protestos foram feitos (por negros), sob alegação que se tratava de um filme “racista”. Imagino a tristeza de Fuller, um cineasta renomado, que esperava conscientizar e se solidarizar junto a luta pelos direitos civis. Tristeza e decepção devem ter tomado o coração do Diretor.

O filme tem cenas com cargas emocionais pesadíssimas (o treinamento de Keys, o ataque na igreja, o final, que é absolutamente fantástico), que na mão de um diretor menos competente, virariam um dramalhão a la Steven Spielberg.

Fuller mostra durante todo o filme que todo e qualquer preconceito tem como base duas características bem próximas: Ignorância e/ou ódio. Ou o preconceituoso não compreende (ou se nega a tentar compreender), e posteriormente rechaça, por não ter uma capacidade intelectual e até mesmo mental, de respeitar o “diferente”, partindo daí a ignorância. Ou talvez, o preconceituoso odeie porque por achar que é “superior”, e externa essa “superioridade” menosprezando quem ele considera “inferior”. Talvez odeie apenas por alguma frustração íntima, mas sinceramente, as possibilidades são infinitas. 

Particularmente, penso que todo preconceituoso é inseguro (intelectualmente, socialmente, moralmente e sexualmente). Pessoas inseguras, geralmente tem uma visão estreita e radical das coisas, e imploram para serem comandadas, ao inverso de quem é seguro de si.

Nem todo preconceituoso odeia, mas todo preconceituoso é ignorante e inseguro. 



Inacreditavelmente, o filme acabou com a carreira de Samuel Fuller, que após tamanha frustração foi embora dos Estados Unidos, para onde retornou apenas no fim de sua prolífica vida. Fuller é constantemente citado por Martin Scorsese e Quentin Tarantino como grande influência de ambos.

“O Cão Branco” é uma obra contundente, amarga e incômoda de se assistir (custei a dormir após assisti-lo), mas extremamente enriquecedora. 

É um filme que tem que ser visto... hoje, se possível.





Um abraço.

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