terça-feira, 31 de março de 2015

Trovando Sobre: A MONTANHA DOS SETE ABUTRES.

Existem muitas coisas que me dão um prazer danado. Os sorrisos do meu filho, a risada da minha esposa, achar um disco clássico que eu ainda não tenha bem baratinho no Mercado Livre, comer pizzas, beber heinekens e Jack Daniel’s, enfim, a lista é grande.

Um outro grande prazer que tenho na vida, é encontrar na internet, algum filme clássico (com boa imagem e legendas coesas) que sempre quis ver mas não havia encontrado em locadoras.

Sábado passado, tive novamente esse prazer. Encontrei no sensacional blog “Toca dos Cinéfilos”, o clássico de 1951, “A Montanha dos Sete Abutres”, com Kirk Douglas.

O filme fala sobre o desejo insaciável das pessoas por más notícias, sobre como a mídia parece buscar nos despejar tragédias, para que possamos saciar o nosso gosto pela desgraça alheia. Creio que ao lermos, ou assistirmos sobre os problemas dos outros, nos sentimos aliviados, pois percebemos que apesar de termos problemas, alguém lá fora tem problemas maiores do que os nossos... Sadismo puro.

Douglas interpreta o repórter inescrupuloso Charles “Chuck” Tatum, que conseguiu a façanha de ser demitido de 11 jornais diferentes, por 11 motivos diferentes. Chuck Tatum é muito semelhante ao personagem de Jake Gyllenhaal, no filme de 2014, “O Abutre”, já que ambos creem que “más notícias vendem, e que boas notícias não são notícias de verdade”.


Tatum chega ao Novo México, onde consegue emprego no jornal local. Certo dia, seu editor, o envia junto de um jovem fotógrafo, a uma cidade próxima, para cobrir uma caçada a cobras. No meio do caminho, quando param para abastecer, descobrem que o dono do posto de gasolina chamado Leo Minosa, procurando relíquias indígenas em uma caverna por hobby, foi parcialmente soterrado, já que Leo foi vítima de um soterramento.

A partir do momento que Tatum chega ao local, ele vislumbra o potencial daquela situação, e sua boca quase saliva, ao perceber que pode transformar o acidente de Leo em um “acontecimento”.

Em poucas horas, o que seria um acidente, até simples por assim dizer, se torna (literalmente) em um circo. Tatum discorre tanto sensacionalismo e tanto drama em suas palavras no jornal local, que chega a pensar que se tivesse “apenas mais alguns dias daquilo, se tornaria o repórter número um da América”. Ao que, Tatum, realmente consegue alguns dias mais, já que convence aos envolvidos no resgate, que todos se beneficiariam com um resgate mais lento, já que Leo era saudável, e até ele mesmo sairia ganhando, já que o seu posto de gasolina e sua lanchonete estavam faturando alto, com os "turistas” que prestigiavam o acontecimento. O salvamento que levaria 16 horas para ser concluído, se transforma em uma epopeia de seis dias, sendo já notícia por todo o país.


O diretor Billy Wilder mostra precisamente como a mídia e a sociedade são fascinadas por desgraças. Pessoas viajam de todas as partes dos Estados Unidos para acompanharem de perto o desenrolar da situação de Leo. Bandas country vendem discos com músicas sobre ele, lembranças do local onde ocorreu o soterramento são vendidas e até um circo é montado para entreter os "turistas"!

Praticamente, uma cidade de trailers e barracas surge no local do acidente.

A esposa de Leo, uma ex dançarina de cabaré fria e insensível, que estava prestes a abandoná-lo, é aconselhada por Tatum, a interpretar a “esposa desesperada”, para que as vendas do comércio do casal só aumentem. O que a mulher, prontamente faz.

Chuck Tatum manipula a tudo e a todos, criando uma atmosfera, onde ele controla absolutamente tudo o que acontece no salvamento, desde quem pode se aproximar da vítima, até que veículos da imprensa podem ter acesso aos fatos. A coisa é tão surreal, que até uma espécie de “oficial da lei” ele se torna, pois tem o corrupto xerife da cidade do seu lado.

Sempre considerei Kirk Douglas um mestre, um tipo de ator que assim como Brando, Pacino, De Niro, Burton e Olivier, sempre encarnou seus personagens de forma extremamente convicente e com total credibilidade. Sua personificação de Chuck Tatum cria um dos personagens mais desprezíveis e sacanas do cinema. Ao mesmo, tempo, já quase no final do filme, onde um desfecho trágico ocorre, vemos Chuck Tatum perceber o quanto suas atitudes foram baixas, imorais e criminosas.


Para não entregar muito apenas revelo que Leo era um homem ingênuo, que confiava em Tatum, e em suas palavras e que literalmente, coloca a sua vida nas mãos do novo “amigo”. O ator que interpreta o pai de Leo, também está soberbo em uma atuação de quebrar o coração de quem assiste o filme, já que apenas deseja ter seu filho de volta, são e salvo, depositando assim, toda a sua confiança em Tatum, tendo a certeza de que este, só pensa no bem estar do seu filho que sofre no fundo de uma caverna.

“A Montanha dos Sete Abutres” e certamente, um filme sobre o lado obscuro da mídia, mas não pude deixar que perceber que o filme também mostra que sempre quem escreve, tem a sua visão e a sua opinião dos fatos, mesmo que subconscientemente. E invariavelmente a opinião de quem escreve aparece nas palavras impressas. É praticamente impossível sermos neutros sobre qualquer notícia que lemos. Geralmente pessoas que se dizem “imparciais”, já escolheram um lado, e na maioria das vezes, escolheram o lado errado.

Foi extremamente prazeroso ter tido a oportunidade de assistir a esta obra prima do cinema.




Um abraço.

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