Existem muitas coisas que me dão um prazer danado. Os
sorrisos do meu filho, a risada da minha esposa, achar um disco clássico que eu
ainda não tenha bem baratinho no Mercado Livre, comer pizzas, beber heinekens e
Jack Daniel’s, enfim, a lista é grande.
Um outro grande prazer que tenho na vida, é encontrar na
internet, algum filme clássico (com boa imagem e legendas coesas) que sempre
quis ver mas não havia encontrado em locadoras.
Sábado passado, tive novamente esse prazer. Encontrei no
sensacional blog “Toca dos Cinéfilos”, o clássico de 1951, “A Montanha dos Sete
Abutres”, com Kirk Douglas.
O filme fala sobre o desejo insaciável das pessoas por más
notícias, sobre como a mídia parece buscar nos despejar tragédias, para que possamos
saciar o nosso gosto pela desgraça alheia. Creio que ao lermos, ou assistirmos
sobre os problemas dos outros, nos sentimos aliviados, pois percebemos que
apesar de termos problemas, alguém lá fora tem problemas maiores do que os
nossos... Sadismo puro.
Douglas interpreta o repórter inescrupuloso Charles “Chuck”
Tatum, que conseguiu a façanha de ser demitido de 11 jornais diferentes, por 11
motivos diferentes. Chuck Tatum é muito semelhante ao personagem de Jake
Gyllenhaal, no filme de 2014, “O Abutre”, já que ambos creem que “más notícias
vendem, e que boas notícias não são notícias de verdade”.
Tatum chega ao Novo México, onde consegue emprego no jornal
local. Certo dia, seu editor, o envia junto de um jovem fotógrafo, a uma cidade
próxima, para cobrir uma caçada a cobras. No meio do caminho, quando param para
abastecer, descobrem que o dono do posto de gasolina chamado Leo Minosa,
procurando relíquias indígenas em uma caverna por hobby, foi parcialmente soterrado, já que Leo foi vítima de um
soterramento.
A partir do momento que Tatum chega ao local, ele vislumbra
o potencial daquela situação, e sua boca quase saliva, ao perceber que pode
transformar o acidente de Leo em um “acontecimento”.
Em poucas horas, o que seria um acidente, até simples por
assim dizer, se torna (literalmente) em um circo. Tatum discorre tanto
sensacionalismo e tanto drama em suas palavras no jornal local, que chega a
pensar que se tivesse “apenas mais alguns dias daquilo, se tornaria o repórter
número um da América”. Ao que, Tatum, realmente consegue alguns dias mais, já
que convence aos envolvidos no resgate, que todos se beneficiariam com um
resgate mais lento, já que Leo era saudável, e até ele mesmo sairia ganhando,
já que o seu posto de gasolina e sua lanchonete estavam faturando alto, com os "turistas” que prestigiavam o acontecimento. O salvamento que levaria 16 horas para ser concluído, se transforma
em uma epopeia de seis dias, sendo já notícia por todo o país.
O diretor Billy Wilder mostra precisamente como a mídia e a
sociedade são fascinadas por desgraças. Pessoas viajam de todas as partes dos
Estados Unidos para acompanharem de perto o desenrolar da situação de Leo.
Bandas country vendem discos com
músicas sobre ele, lembranças do local onde ocorreu o soterramento são vendidas
e até um circo é montado para entreter os "turistas"!
Praticamente, uma cidade de trailers e barracas surge no
local do acidente.
A esposa de Leo, uma ex dançarina de cabaré fria e
insensível, que estava prestes a abandoná-lo, é aconselhada por Tatum, a
interpretar a “esposa desesperada”, para que as vendas do comércio do casal só
aumentem. O que a mulher, prontamente faz.
Chuck Tatum manipula a tudo e a todos, criando uma
atmosfera, onde ele controla absolutamente tudo o que acontece no salvamento,
desde quem pode se aproximar da vítima, até que veículos da imprensa podem ter
acesso aos fatos. A coisa é tão surreal, que até uma espécie de “oficial da
lei” ele se torna, pois tem o corrupto xerife da cidade do seu lado.
Sempre considerei Kirk Douglas um mestre, um tipo de ator
que assim como Brando, Pacino, De Niro, Burton e Olivier, sempre encarnou seus
personagens de forma extremamente convicente e com total credibilidade. Sua
personificação de Chuck Tatum cria um dos personagens mais desprezíveis e
sacanas do cinema. Ao mesmo, tempo, já quase no final do filme, onde um
desfecho trágico ocorre, vemos Chuck Tatum perceber o quanto suas atitudes
foram baixas, imorais e criminosas.
Para não entregar muito apenas revelo que Leo era um homem
ingênuo, que confiava em Tatum, e em suas palavras e que literalmente, coloca a
sua vida nas mãos do novo “amigo”. O ator que interpreta o pai de Leo, também
está soberbo em uma atuação de quebrar o coração de quem assiste o filme, já
que apenas deseja ter seu filho de volta, são e salvo, depositando assim, toda
a sua confiança em Tatum, tendo a certeza de que este, só pensa no bem estar do
seu filho que sofre no fundo de uma caverna.
“A Montanha dos Sete Abutres” e certamente, um filme sobre o
lado obscuro da mídia, mas não pude deixar que perceber que o filme também
mostra que sempre quem escreve, tem a sua visão e a sua opinião dos fatos,
mesmo que subconscientemente. E invariavelmente a opinião de quem escreve
aparece nas palavras impressas. É praticamente impossível sermos neutros sobre
qualquer notícia que lemos. Geralmente pessoas que se dizem “imparciais”, já escolheram
um lado, e na maioria das vezes, escolheram o lado errado.
Foi extremamente prazeroso ter tido a oportunidade de
assistir a esta obra prima do cinema.
Um abraço.