sábado, 21 de fevereiro de 2015

Trovando Sobre: O DISCO MAIS RAIVOSO DE TODOS OS TEMPOS.


Dias atrás, adquiri o elogiadíssimo disco ao vivo de Bob Dylan, chamado Hard Rain. Nunca tinha ouvindo o álbum, só trechos das músicas, mas todas as críticas que li sobre o disco, o cobriam de elogios.

Geralmente quando algo é considerado “unanimidade”, eu fico com o pé atrás, e não foi diferente com esse disco ao vivo, lançado em 1976 e gravado durante a mitológica turnê Rolling Thunder Revue.

Só que a maioria, dessa vez, estava certa. Certíssima, eu diria. Não sei como passei tanto tempo sem ter ouvido esse disco.

Hard Rain, é disparado o melhor disco ao vivo da carreira de Bob Dylan. Eu diria que Hard Rain, é um dos melhores discos ao vivo da história da música... simples assim.

O disco é impressionante por várias razões, mas a principal delas é a raiva. Sim, raiva. Dylan exala raiva pelos poros e a cada sílaba de cada canção. Mas raiva não é o único sentimento que permeia durante todo o disco. Desilusão, frustração, fúria, rancor e tristeza entre outros, são os ingredientes de cada uma das nove canções do álbum.

Dylan vinha enfrentando sérios problemas no casamento de doze anos com sua esposa Sara (estes problemas culminariam em um desgastante e doloroso divórcio). Sara é mãe de cinco filhos do cantor. 

Os problemas no casamento do artista haviam começado aproximadamente, no início da década de 70 e foram retratados no sublime álbum de 1975, Blood on the Tracks, que na minha modesta opinião, é a obra prima do mestre. Dylan não era um marido fiel e presente, e além disso, estava exagerando na bebida nesta época.


Depois de sucessivas tentativas de reconciliação entre o casal (Dylan chegou a escrever a canção “Sara”, do álbum Desire de 1976 para a esposa, na tentativa de uma nova aproximação entre eles) o fim do casamento foi inevitável, e a postura outrora pacífica de Bob Dylan havia mudado. Ele estava muito, mas muito descontente com o rumo da sua vida pessoal até aquele momento. E justamente naquele momento, ele estava em turnê, e foi ali, que a “terapia” foi feita... no palco.

Quando antes, Dylan tocava para seu público canções como “Sara”, agora ele substituiria a canção por “Idiot Wind”, onde a letra diz que “toda vez que você abre a sua boca, um vento idiota sopra, me surpreende que você saiba respirar”. O cara estava com ódio. Dá para perceber, especialmente nesta versão arrasadora de dez minutos da música.

Um lamento sobre decepção, foi o que o artista transformou “Oh, Sister”.

“Shelter From the Storm”, que originalmente era uma doce canção de amor e gratidão, agora havia virado uma espécie de canção punk, com pitadas de The Clash.

Dylan sempre gostou de surpreender e desafiar seu público, e em Hard Rain, isso foi levado ao extremo, já que “One Too Many Mornings”, a letra foi completamente modificada. Sim, o cara MUDAVA toda a letra de um de seus clássicos, durante as apresentações. “Stuck Inside a Mobile With the Memphis Blues Again” e “Maggie’s Farm”, foram encorpadas com esteroides e whisky, tamanha a crueza e o peso de suas execuções.

E como ser direto é uma arte, em “Lay Lady Lay”, apenas algumas frases foram modificadas, dando um tom extremamente erótico à canção. Se a versão original era “vamos dançar?”, esta versão é “esquece essa dança, e vamos logo para o quarto!”.

Mas o ponto álbum alto do disco são as versões de “I Threw It All Away” e “You’re a Big Girl Now”. A primeira, mostra um Dylan melancólico e triste, pois “tinha tudo e jogou tudo fora”, dizendo que o ouvinte “pode ter certeza, não existe cura” para certas dores (o "slide" tocado nessa música é uma das mais belas linhas de guitarra já tocadas por um ser humano). E a segunda versão consegue ser tão ou até mesmo, mais linda do que a original, já que Dylan praticamente a declama, e repete frases, a deixando com o dobro da duração normal. Quando Dylan urra que sente em seu peito “uma dor que começa e para, como um saca rolhas no coração” depois que sua amada se foi, fica difícil não se comover, ouvindo tamanha tristeza, retratada com uma beleza que somente um verdadeiro poeta poderia traduzir.

Enfim, Hard Rain é altamente recomendado para qualquer um que aprecie Arte. Não é um álbum fácil de assimilar, mas sua audição (e compreensão) é uma experiência altamente gratificante. Nunca a “raiva” foi tão bem empregada em favor da música.

Recomendo.


Espero que ouçam.



Abraço.

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