Sábado passado assisti ao filme “Serpico”, de 1973, onde Al
Pacino interpreta o policial nova iorquino Frank Serpico (primeiro papel do ator após “O Poderoso Chefão”).
O filme tem duas foras e dez minutos de duração, e da
primeira vez que assisti, o horário era desfavorável, pois começou bem tarde, lá pelas onze horas da
noite, então eu não tinha, digamos, absorvido as pequenas “joias” do roteiro e
da interpretação do elenco, pois talvez o cansaço, tenha me impedido. Na época talvez, eu não tenha compreendido a magnitude da obra. Eu não tinha me dado
conta do quanto o filme é genial.
“Genial” é um ótimo adjetivo para este filme.
Como sempre, Al Pacino dá total credibilidade aos papéis que interpreta, e nesse filme, isto não é diferente. Frank Serpico é um ítalo americano, récem formado na academia de Polícia, com um forte
senso de justiça e uma vontade imensa de fazer “a diferença” dentro da corporação,
já que como ele mesmo conta em uma cena, “desde criança, admirava demais muito aqueles caras de uniforme azul”.
O filme mostra gradativamente, a perda da fé de Serpico na
polícia (e nos homens), já que a maioria esmagadora de policiais (de todos os escalões) recebem
propina e são facilmente subornados com dinheiro, e até com comida, para fecharem
os olhos para muitas coisas. Donos de lanchonetes até traficantes, tem uma
relação digamos, “amigável” com qualquer policial do distrito.
Aos poucos, como se recusa a receber qualquer tipo de
propina e demonstrar um interesse legítimo em fazer o seu trabalho de forma
íntegra e correta, Serpico vai sendo visto com um pária, uma anomalia dentro de
um sistema “perfeito”, onde “é impossível confiar em um tira que não recebe
algum”, como diz um de seus colegas.
Até transferências a departamentos forenses e de policiais à
paisana, o personagem tenta, mais é ainda mais soterrado por práticas desonestas e de descaso com o trabalho policial.
O filme é assustadoramente atual.
Quando o personagem se une a um outro raro policial honesto
como ele que trabalha na área burocrática da força policial, e decide denunciar
seus colegas corruptos, Serpico sofre diversas represálias e é constantemente
isolado e desrespeitado diariamente em seu local de trabalho.
A vida pessoal do personagem igualmente desmorona, já que em
constante paranoia, por sofrer seguidas ameaças de morte, Serpico se torna
instável, agressivo e isolado até mesmo com os amigos de fora da polícia e com
a sua namorada, que o ama, mas que o abandona, por não aguentar a vida que
levavam.
Em um dos momentos mais sublimes do filme, esta namorada chega a sugerir que Serpico talvez devesse aceitar a corrupção, e até mesmo tomar
parte dela, já que assim, ele seria aceito pela maioria. Ela conta uma história
de um rei que vive em total harmonia com seu povo, e que no reino deste rei,
havia uma fonte com uma água cristalina e deliciosa, onde todos os seus
súditos bebiam. Um dia, uma bruxa envenena esta fonte, e após beberem a água, os súditos enlouquecem, sendo que o único a não beber da fonte, é o próprio
rei. O feitiço faz com que os súditos se voltem contra o rei, alegando que é o
monarca quem está louco, e começam a persegui – lo. Até que um dia, o rei
decide por vontade própria, beber da fonte, deixando assim, todos felizes, vivendo e compartilhando da mesma insanidade.
Eu não disse que o filme era genial? Eu não disse que o
filme era atual?
Qualquer ator com menos talento não teria condições de
conduzir a cena de forma tão brilhante como é conduzida no filme, sendo que
Pacino nada fala, apenas com o olhar, demonstra todos os sentimentos e a
tentação que rondam a cabeça do personagem. A atriz que está em cena com Pacino está excelente, mas quem brilha, é Al Pacino.
Não existem mais atores do nível desse cara, mas não mesmo!
As cenas de explosões de raiva, de insegurança e de reflexão
são aulas de interpretação. Frank Serpico não é um personagem digamos,
convencional já que era um policial meio hippie, que ostentava um longo bigode,
ou uma espessa barba, cabelos compridos, usava brinco e roupas “modernas”, e
até fumava maconha. O ator empresta trejeitos e movimentos marcantes a Frank
Serpico (o filme é baseado em fatos reais, o Frank Serpico verdadeiro é vivo
até hoje), de tal forma, que Al Pacino desaparece completamente, e só vemos Serpico
ali.
Sidney Lumet é simplesmente um dos maiores diretores da
história do cinema. Polêmico e corajoso, teve o peito de realizar em pleno ano
de 1975, novamente com Al Pacino como astro, o filme “Um Dia de Cão”, sobre um
ex combatente do Vietnã (Pacino), casado e com filhos, que assalta um banco
para pagar a operação de mudança de sexo do amante. Um ex militar gay! Um ex
militar americano gay! Em 1975!
Dá para imaginar o peito e a coragem de captar os recursos financeiros necessários para a realização do projeto, e também convencer atores a participarem de um filme com uma temática dessas?
Penso que Serpico também não deve ter agradado a alguns, e que deve ter tido um "parto" difícil, pois trata-se de um filme um tanto quanto polêmico, que deve ter provocado alguns "vigias da moral e dos bons costumes".
Serpico é um retrato de como o senso comum e a “maioria” nos
engole no dia a dia, se assim permitirmos. Apesar do final triste e até
melancólico, Serpico é um filme que demonstra que se tu vai lutar por algo, ou
contra algo, é bom saber que certas lutas devem sempre ser encaradas, mesmo que
não existam possibilidades de vitória. Pelo menos, vitória a curto ou a médio prazo...
Lumet, Pacino e Serpico, pessoas que sempre foram na contra
mão do senso comum, do establishment e da maioria. Rebeldes, visionários ou
talvez doidos? Sei lá...
Eu gosto de chamar pessoas assim de Heróis.
Espero que gostem.
Um abraço.
Identifiquei-me com essa narração! Preciso assistir a esse filme urgentemente!!!
ResponderExcluirValeuuu!
Vale muito a pena assistir "Serpico", Andreas... aula de cinema. Filme do tipo que não se faz mais hoje em dia! Abração.
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